domingo, 11 de outubro de 2009

O iluminado


Terça-feira. O dia parecia não ter fim. Relatórios, filmagens, debates, aulas de rádio e telejornalismo. No serviço, elaboração de textos e tarefas diárias a serem cumpridas. Correria para ajustar todos os pontos e um detalhe: Tenho que fazer o show ainda na madrugada.


Saio do estúdio e corro para a avenida. Preciso esperar a minha carona . A mente não cessa. Já penso no dia de amanhã. Agora são 22h50m e chove muito. O frio aumenta e o vento corta até os pensamentos. Não consigo me localizar. As idéias bombardeiam a minha cabeça. A semana mal começou e já estou atarefado.


Nos baixos viadutos da Bresser, um carro para do outro lado. Aparentemente, um senhor de 60 anos, 1,60 m de altura, jaqueta azul e cabelos grisalhos. Desce lentamente. Ao meu redor, moradores de rua. Pessoas invisíveis, sem códigos, sem família, sem lenço e documento.


Na mão direita, uma garrafa amarela; na esquerda, um saco. As pessoas que estão deitadas se levantam. Nem todas têm cobertores. Parecem que marcaram compromisso. Neste intervalo, os projetos se afastam e, como se o tempo parasse por alguns minutos, reparo na força e o sorriso que estão naquele homem. O brilho no olhar é indiscutível. Ele vem ao meu encontro, me cumprimenta e põe a garrafa ao meu lado.


- Boa noite, quer um chocolate quente? - Pergunta o tal homem sem olhar nos meus olhos. Parece que não estou ali. Não tive tempo de responder. Se vira e começa a distribuir os pães. Conversa com cada cidadão. Deixa uma palavra amiga em cada coração. Todos têm historias para contar.


Próximo ao pilar, um senhor, 50 anos aproximadamente, dono de um sorriso invejável e certamente com um passado, conversa comigo. Rebato as suas dúvidas, mas o meu olhar segue o iluminado. Volta para o carro, pega a segunda remessa de mantimentos e vai para o outro lado. A missão não para por ali.


Agora são 23h02 e a minha carona chegou. Tiro o celular do bolso e registro o momento. Vou em frente. Ele, o homem desconhecido, parte para outra ação. Eu, sem palavras e inquieto, começo a receber os primeiros telefonemas dos artistas. Vidas opostas. Sem parâmetros. A noite continua. A imagem está "congelada" apenas no meu aparelho. Lá fora, a vida continua...Os homens invisíveis?


Estão todos deitados na mesma posição. Parece um nado sincronizado. Um nado que não têm medalhas, holofotes e noticias nas páginas dos jornais. Infelizmente, estes homens não estão nas estatísticas do governo. Se preparam para dormir. Ver o novo amanhecer. Isto é, se todos acordarem.


Decido voltar outro dia. Preciso mudar algo. Na próxima terça-feira, em busca da resposta que certamente está longe do alcance das minhas mãos e dos meus olhos, estarei lá.

Quer um chocolate quente?

2 comentários:

Anônimo disse...

VC É TÃO ILUMINADO QUANTO ELE... SÓ O FATO DE PERCEBER LUZ AONDE MAIS QUASE NINGUEM ENXERGA...JÁ TE FAZ DIFERENTE... ESPERO QUE REALMENTE VC TENHA VOLTADO LÁ!!!

BEIJAO

MARCIA

João Luis Pinheiro - Jornalista, escritor e poeta disse...

Sua capacidade de observação é estupenda! Belo sacada Montanha! Acho que seu caminho é por aí...
Abraços